terça-feira, 12 de agosto de 2014

Pesquisas eleitorais - parte II

brumadoagora.com.br


Nessa postagem gostaria de tratar da sequencia de pesquisas sobre as quais somos frequentemente informados antes de uma eleição. O que vemos ser feito rotineiramente é que um novo grupo de pessoas é selecionado ao longo de todo o pais e é entrevistado em cada uma dessas pesquisas. Os fatos que essas pesquisas são realizadas em intervalos de tempo pequenos e que elas tratam do mesmo assunto são simplesmente ignorados. Será que não haveria nada a ser aproveitado de uma pesquisa para a outra?

Esse ponto ganha ainda mais ênfase quando vemos resultados quase idênticos nos resultados das mais recentes pesquisas de intenção. Mas a prática vigente aqui no Brasil parece apontar para uma resposta com um sonoro não. Acredito que o raciocínio por traz dessa sistemática é: não podemos (ou devemos) contaminar os resultados desta semana com os resultados de semanas passadas pois o cenário político pode ter mudado. E é um argumento fácil de ser entendido. Porém essa linha de pensamento, ignora séculos de desenvolvimentos em análise de dados. Existe uma série de situações reais onde há interesse em estudar fenômenos que evoluem ao longo do tempo. Em muitos desses casos, apenas uma observação é feita a cada instante de tempo. Se o argumento "só os dados de hoje podem ser usados para falar sobre hoje" fosse usado, muito pouco poderia ser feito.

A área da Estatística que trata desse tipo de fenômeno é conhecida como Séries Temporais. O que essa área procurou fazer foi propor uma série de modelos que soubessem colocar todas as observações feitas ao longo do tempo em uma única estrutura e com isso pudessem se aproveitar da dependência entre os diferentes tempos. Não se discute que cada tempo tem suas peculiaridades mas também procura se aproveitar do fato que tempos sucessivos trazem informação entre si.

Voltando ao caso das pesquisas eleitorais, é claro que as proporções de intenções de voto para os candidatos não sofrem mudanças bruscas entre pesquisas realizadas em pequenos intervalos, por exemplo, 2 semanas. Portanto a informação fornecida na última pesquisa pode ser usada para entender o que ocorre na pesquisa atual, embora não integralmente. Existem inúmeras formas de fazer isso e um igualmente alto número de formas de verificar se a especificação da dependência está apropriada. Assim, é possível determinar quanto da informação da última pesquisa pode ser confiavelmente utilizada para falar dos resultados do cenário atual.

Algumas décadas atras, Cesar Maia, político de destaque no cenário do Rio de Janeiro, percebeu isso e notou que a tendência de crescimento dele ao longo das pesquisas permitia prever que ele acabaria vencedor nas eleições. Isso efetivamente acabou acontecendo. Mas ele acabou indo para o extremo oposto
ao usar uma técnica que acredita ser igualmente valiosa a informação de todas as pesquisas. O mal disso é que ele ficou mais confiante do que deveria. E é sempre importante termos uma medida justa da precisão de nossas análises.

Como a área de Séries Temporais nos indica que não devemos descartar toda a informação prévia nem usá-la integralmente, surpreende que o uso dessa área ainda não se tornado prática corriqueira na análise de pesquisas eleitorais. Isso é um fenômeno mais local. Há alguma décadas que análises de pesquisas eleitorais em países desenvolvidos faz uso dessa ferramenta e com isso consegue obter estimativas mais confiáveis dos efetivos níveis de intenção de voto para cada candidato.

O uso de técnicas usuais de Séries Temporais daria muito mais flexibilidade às análises decorrentes das pesquisas realizadas. Se as amostras continuarem sendo coletadas como sempre, teríamos estimativas mais precisas com margens de erro muito menores. Para manter as margens de erro nos níveis atuais, poderíamos reduzir substancialmente o tamanho das amostras utilizadas, reduzindo assim o custo das pesquisas. Temos assim um leque de possibilidades à disposição dos institutos de pesquisa. A Ciência oferece eles de graça. Por que não usá-los?

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