terça-feira, 12 de março de 2013

Como usar evidências em um julgamento?

Joe Burbank/Orlando Sentinel



Uma questão importante em análises envolvendo incerteza é como medir evidências. Já vimos em postagens passadas deste blog algumas situações onde essa questão foi discutida. Mas um dos casos onde esse ponto adquire mais relevância é quando falamos do uso de evidências em algum julgamento pois isso pode determinar anos de vida de reclusão, em casos de crimes hediondos.

Para contextualizar a discussão, suponha que estamos tratando do julgamento de um suspeito de assassinato. No caso, o suspeito é o marido da mulher assassinada. Ele alegou ter chegado em casa e encontrado sua mulher morta. Suponha também que análises de material encontrado na mão da vítima foram compatíveis com as fibras encontradas na roupa que o marido vestia no momento que a polícia chegou na casa do casal. (Em analogia com caso recente, a evidência poderia ser de marcas de sapato na cena do crime compatíveis com a do sapato do suspeito de assassinar o próprio pai.) Suponha também que as chances dessa evidência ser observada quando o marido é culpado são muito altas, de 99,9% Com base nessa evidência, a corte decide pela condenação do marido. Foi tomada a decisão correta?

Muitas pessoas quando confrontadas com tamanha evidência tendem a supor que o marido é efetivamente culpado. Elas assim o fazem por identificar como 0,1% as chances do marido ser inocente. Essa conta está errada e incompleta. Vamos chamar de E a evidência que as fibras encontradas na mão da vítima são compatíveis com as fibras da roupa do marido e vamos chamar de D a hipótese que o marido é culpado.  Repetindo, até agora vimos apenas que a probabilidade dessa evidência ser obtida quando o marido é culpado é 99,9%, isto é, Pr( E | D ) = 0,999. Mas para decidir sobre a culpa do marido precisamos calcular a probabilidade do marido ser culpado quando essa evidência é obtida, isto é, Pr ( D | E ). Essas 2 probabilidades parecem iguais, mas não são!

Vamos re-analisar o caso, completando o cenário. Suponha que I é a hipótese que o marido é inocente e que Pr ( E | I ) = 0,20. Ou seja, existe 20% de chance das fibras compatíveis com a sua roupa terem sido encontradas na mão da vítima mesmo quando o marido é inocente. Isso pode acontecer porque outra pessoa (o assassino) pode também ter usado roupa com o mesmo material ou porque essas fibras foram parar na mão da vítima algum tempo antes do crime.  Suponha também que a princípio, sem levar em conta essa evidência, estamos indiferentes entre considerar o marido inocente ou culpado, isto é, Pr ( D ) = Pr ( I ) = 0,50.

Feito isso, pode-se calcular facilmente que a probabilidade do marido ser culpado à luz da evidência do tecido é de 83%, isto é, Pr ( D | E )= 0,83. [Esse valor quase não se altera se Pr( E | D ) aumenta para 0,9999 ou diminui para 0,99.] Assim, a evidência trazida pelas fibras aumenta a probabilidade do marido ser o culpado, como esperado. Mas aumenta de 50% para apenas 83%, muito longe de ser a quase certeza que associaríamos a 99,9% Assim, essa evidência pode parecer ser à primeira vista forte o suficiente para incriminar o marido judicialmente. Mas não é! 

2 comentários:

  1. Estou enganado ou foi uma simples, porém brilhante e útil, aplicação de Bayes? Abraços!!!

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  2. Oi Edson, você não está enganado.

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